Entre as quatro e cinco da manhã de sábado ele interfonava
no meu apartamento. Isso já tinha se tornado uma rotina e de certa forma eu me
preparava. Debruçava-me sobre algum
livro ou assistia uma série idiota na tv enquanto esperava as horas passarem. A
cafeteira era direcionada para três
canecas e o cheiro invadia a sala. Ele chegava, com aquela mistura de álcool e
cigarro, cabisbaixo e logo abria o
armário em busca de uma caneca. Sentava-me
em uma das cadeiras enquanto ele ficava lá olhando para a cafeteira, arrumando
alguma forma de me contar o que estava acontecendo. Era sempre a mesma história: os amores
semanais que terminavam na sexta-feira. Já tinha perdido as contas das colegas
de serviço, calouras da faculdade e até mesmo a vizinha do 12º andar. O mesmo
discurso, a mesma cantada, o mesmo convite e os finais não poderiam ser
diferentes. Sendo sua melhor amiga vi inúmeras paixonites ganharem forma e cor,
muitas vezes até bancando o cúpido da história. Também vi o fim de várias e o
reergui da temível fossa. Agora ele me
contava que a loirona com quem tinha saído não passava de uma mulher
interesseira e que seus gostos eram de longe compatíveis. Escutava tudo aquilo
calada, somente acenando com a cabeça, concordando com o que ele dizia. Mal
sabia que a minha vontade era de voar no seu pescoço e enforcá-lo até entender
que a pessoa certa que tanto buscava estava diante dos seus olhos. Só eu sabia
que ele odiava cebola no macarrão, do ciúme da coleção de discos e de seu
hábito de dormir com os pés para fora da coberta. Era eu que estava presente na
colação de grau, no dia que o cachorro dele morreu e quando quebrou o braço por
causa de uma ex. Rimos juntos dos arranhões da lataria do
carro, das fotos de infância ridículas e dos meus pudins que nunca davam certo.
Poderia escrever um livro com tudo que sabia e tinha vivenciado ao seu lado. O
significado de cada olhar e gesto, da fala tranquila e do sorriso que me fazia
fechar os olhos e suspirar. Inúmeras
vezes voltei para casa mais cedo ou fiquei bêbada na tentativa de não vê-lo com outra pessoa. A solidão era cruel e apontava a minha falta
de coragem de me aproximar. Eu queria gritar que ele não passa de um babaca
mimado e que eu o amava há muito tempo, somente
uma chance para provar o quanto ele poderia ser feliz. Ele acabou adormecendo sobre a mesa e tive que
arrastá-lo para o sofá. A luz atravessa a janela tingindo
a sala com as cores da manhã, o café esfria enquanto penso no que
faço...
Nenhum comentário:
Postar um comentário