segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Outra noite que se vai...


Entre as quatro e cinco da manhã de sábado ele interfonava no meu apartamento. Isso já tinha se tornado uma rotina e de certa forma eu me preparava. Debruçava-me  sobre algum livro ou assistia uma série idiota na tv enquanto esperava as horas passarem. A cafeteira  era direcionada para três canecas e o cheiro invadia a sala. Ele chegava, com aquela mistura de álcool e cigarro, cabisbaixo  e logo abria o armário em busca de uma caneca.  Sentava-me em uma das cadeiras enquanto ele ficava lá olhando para a cafeteira, arrumando alguma forma de me contar o que estava acontecendo.  Era sempre a mesma história: os amores semanais que terminavam na sexta-feira. Já tinha perdido as contas das colegas de serviço, calouras da faculdade e até mesmo a vizinha do 12º andar. O mesmo discurso, a mesma cantada, o mesmo convite e os finais não poderiam ser diferentes.  Sendo sua melhor amiga  vi inúmeras paixonites ganharem forma e cor, muitas vezes até bancando o cúpido da história. Também vi o fim de várias e o reergui da temível fossa.  Agora ele me contava que a loirona com quem tinha saído não passava de uma mulher interesseira e que seus gostos eram de longe compatíveis. Escutava tudo aquilo calada, somente acenando com a cabeça, concordando com o que ele dizia. Mal sabia que a minha vontade era de voar no seu pescoço e enforcá-lo até entender que a pessoa certa que tanto buscava estava diante dos seus olhos. Só eu sabia que ele odiava cebola no macarrão, do ciúme da coleção de discos e de seu hábito de dormir com os pés para fora da coberta. Era eu que estava presente na colação de grau, no dia que o cachorro dele morreu e quando quebrou o braço por  causa de uma ex.  Rimos juntos dos arranhões da lataria do carro, das fotos de infância ridículas e dos meus pudins que nunca davam certo. Poderia escrever um livro com tudo que sabia e tinha vivenciado ao seu lado. O significado de cada olhar e gesto, da fala tranquila e do sorriso que me fazia fechar os olhos e suspirar.  Inúmeras vezes voltei para casa mais cedo ou fiquei bêbada na tentativa de  não vê-lo com outra pessoa.  A solidão era cruel e apontava a minha falta de coragem de me aproximar. Eu queria gritar que ele não passa de um babaca mimado e que eu o amava há muito tempo, somente  uma chance para provar o quanto ele poderia ser feliz.  Ele acabou adormecendo sobre a mesa e tive que arrastá-lo para o sofá. A luz atravessa a janela  tingindo  a sala com as cores da manhã, o café esfria enquanto penso no que faço...

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